Embora nada de bom e nada de ruim possa ser destacado por mim, dá pra notar que, por mais hermético que seja, “As noites ainda cheiram a pólvora” é um trabalho de expressão muito pessoal de seu diretor, Inadelso Cossa. Em um filme que é feito de memórias de guerra. Memórias ditas. Contadas. Faladas pelos personagens que lembram da guerra civil pós independência que, de tanto durar, se tornou paisagem para uma geração. 

Familiares, amigos de familiares, conhecidos. Figuras de sua infância, falam a ele o que não falavam quando ele era criança. Em relatos pessoais de quem viveu a consciência das  tragédias enquanto escondia essa realidade dele próprio. 

Na forma, tudo é feito essencialmente de cenas escuras na pretidão isolada das casas e das vilas por onde ele passa. Em quadros que se constituem de cenários de sombras infinitas cortados por luzes duras. Lanternas projetadas sobre casas. Florestas iluminadas por focos. Uma fogueira na noite. Como se, de algum modo, isso fosse articular a busca por certos detalhes do passado. Uma exploração arqueológica daquelas memórias. Em um filme que ao mesmo tempo serve para tentar investigar e para tentar capturar essa história oral. 

Mas que, mesmo com essa intenção toda, dificilmente se faz realmente compreender. 

Talvez pelo experimentalismo desse projeto; talvez porque exija um conhecimento maior sobre o conflito pós-independência do país; talvez porque não consiga mesmo expressar algo para além dessa emoção fria. 

O que dá ao filme um aspecto repetitivo no fim das contas. E que mesmo nos quadros mais inspirados e bem pensados não necessariamente se constrói para algo que vá transmitir a complexidade de tudo. 

Como na sinistra janela escura que se centraliza em uma casa capturada no meio da imagem. Que traz algo de misterioso ali. Que articula muito da experiência de Inadelso quando viveu na infância no meio daquela guerra. Cercado de buracos e frestas do desconhecido. 

Algo de ruim que pairava. O cheiro da pólvora do título. O barulho abafado ao longe. Lugares onde ele não poderia ir. Mas que ele nunca sabia, de fato, de que se tratavam. 

No meio disso, “As noites ainda cheiram a pólvora” por vezes ainda vai para lados mais metalinguísticos. Cenas que se repetem para ajustes e que permanecem no filme. As idas e vindas de mesmas situações. As inserções de imagens de arquivo no meio da narração. As conversas com o técnico de som que acompanha a câmera do diretor. 

No fim das contas, entretanto. Talvez seja uma memória que ele sinta melhor do que consegue articular em cinema. Que ele consiga transmitir um lado de medo e de desconhecido mas que por escolha, cria algo muito distante quando não quer se debruçar sobre o lado emocional e traumático disso. E por mais que seja um filme difícil de compreender e de se conectar não existe nada de muito questionável e criticável nele. 

Marginalmente interessante. Nem que seja pelo seu jeito de vídeo-instalação que ao menos traz uma beleza misteriosa em seus quadros chiaroscuros.