Já na época em que foi anunciada a morte da cantora britânica Amy Winehouse (1983-2011), se falava em um filme sobre ela, tamanho o frenesi midiático que essa artista despertou no mundo neste começo do século XXI. Agora o filme finalmente chegou às telas e… bem, Amy merecia uma produção melhor que este Back to Black. O filme da diretora Sam Taylor-Johnson e roteirizado por Matt Greenhalgh sofre dos mesmos males que afligem 9 entre 10 cinebiografias modernas: cai nos clichês do subgênero e é muito, mas muito, superficial.

O filme se concentra no período de ascensão meteórica de Amy (vivida por Marisa Abela), desde a gravação do seu primeiro disco, Frank, que foi bem de crítica, mas nem tanto nas rádios, até o segundo, Back to Black, que virou um fenômeno internacional. Nesse meio tempo, vemos o temperamento intempestivo da cantora, sua relação com a avó Nan (Lesley Manville) e o pai Mitch (Eddie Marsan), e o conturbado romance com Blake (Jack O’Connell), que viria a se tornar seu marido. E, claro, o mergulho da artista nas drogas e no alcoolismo.

RETRATO CHAPA-BRANCA

No passado, Taylor-Johnson e Greenhalgh nos deram o bom e simpático O Garoto de Liverpool (2009), que enfocou a juventude de John Lennon. E fica claro, pelas entrevistas de todos ligados à esta produção, que a história de Amy Winehouse importava para os envolvidos. Mas não dá para ignorar ou perdoar todos os problemas de Back to Black – e o filme tem vários. A começar pelo fato de ser uma cinebiografia para lá de chapa-branca.

Não sou o maior especialista na vida e carreira de Amy, mas até eu sei que os relacionamentos dela com o pai e com o marido tiveram grande influência no processo de vício e posterior decadência da cantora. Em Back to Black, o pai é um cara legal sempre preocupado com a filha – bem diferente do retratado no documentário vencedor do Oscar Amy (2015). E embora o filme de fato mostre que Blake apresentou Amy às drogas, ele é retratado como um sujeito sensível que até tenta ajudar a cantora e reconhece a natureza tóxica do relacionamento deles.

Tudo é superficial: em dado momento, temos uma cena de Blake andando na rua com o rosto arranhado. Quem provocou a briga, ele ou Amy? O filme não explica. Mais à frente, ele é preso pela polícia e a explicação para isso passa voando. A bulimia, problema sério que a artista enfrentava, é sugerida em uma cena, mencionada por diálogo expositivo em outra, e depois nunca mais aparece. De fato, com tantas superficialidades, o filma acaba tendo um efeito contrário, o de responsabilizar a própria Amy, acima de todos, pelo seu vício e autodestruição. Ela, e obviamente, os paparazzi, a massa anônima que não deixava a cantora em paz. Mas é fácil culpá-los, não?

E se o espectador quer ter uma ideia de como era o processo criativo da artista, Back to Black também fica devendo. Somos informados de que ela ama jazz e a vemos compondo uma música, e é isso. Que fique claro, tentar “explicar” uma pessoa, apelando para psicologismos ou considerações fáceis, não é a resposta também, ninguém aqui está pedindo isso. Mas quando o roteiro do filme biográfico sobre a pessoa não avança em relação ao que se pode ler no verbete da Wikipédia, aí o negócio fica complicado.

OPORTUNIDADE DESPERDIÇADA

O que resta no filme são os desempenhos adequados dos atores, que fazem o que lhes é pedido pelo material – Abela se mostra uma boa imitadora dos trejeitos de Amy, e se sai bem cantando com sua voz no filme, o que adiciona uma camada ao seu retrato da cantora. É uma atuação corajosa, sem dúvida, mas também uma que às vezes passa um ar de mero artifício – especialmente no começo do filme, ela parece estar forçando um pouco no sotaque.

Os fãs com certeza também deverão curtir alguns momentos em que as principais músicas de Amy são encenadas em shows, ou aparecem dentro da narrativa. Mas só isso é pouco. É como se os envolvidos em Back to Black tivessem perdido a oportunidade para abordar a história de uma forma realmente interessante do ponto de vista dramático e temático.

Ora, hoje, mais de dez anos depois da morte dela, como poderia ser abordado o circo midiático que se formou em torno de Amy Winehouse, e que contribuiu para sua morte? E o próprio papel dela nesse processo? Afinal, ela possuía, sem dúvida, um componente autodestrutivo dentro de si. Quase nada dessas temáticas aparecem no filme, que se contenta em retratar sua biografada de modo romantizado, mais um retrato de “artista sensível e atormentado” que vemos no cinema e na mídia, e que é bonito e romântico para todo mundo, menos para o próprio artista em questão.

Hoje, as cinebiografias se tornaram parte do “cardápio” do cinema, e não vão sumir, porque muita gente gosta de consumi-las. Porém, mesmo em meio a este cenário, Back to Black se destaca como uma cinebiografia especial: É tão mal concebida que acaba sendo praticamente um desserviço à sua biografada.