“Lula” pode ser definido como um documentário protocolar que apresenta a figura de Luiz Inácio Lula da Silva ao mundo, mas não é como se ele precisasse disso. A história do metalúrgico que virou líder sindical e depois Presidente da República já seria irresistível de ser mostrada pelos olhos de Oliver Stone mesmo se terminasse em 2010, ao final de seu segundo mandato. Mas há muita história para contar depois disso. Entre o golpe que tirou Dilma Rousseff da Presidência e o retorno de Lula ao Governo, foram seis anos marcados por uma perseguição política capitaneada pelo então juiz Sérgio Moro e pela ascensão da extrema direita, simbolizada pela eleição que levou Jair Bolsonaro ao cargo mais alto do Executivo.  

É nesse contexto de um país em ponto de ebulição que o diretor senta para entrevistar Lula. Admirador da “Onda Rosa”, Stone tem se dedicado a documentar líderes desta geração da política da América Latina e era questão de tempo que o brasileiro virasse objeto principal de um filme do norte-americano.  

Stone se mostra fascinado pela figura de Lula e isso é evidente pela forma como ele conduz o documentário, que começa mostrando justamente o impacto dos dois primeiros mandatos, com direito ao momento famoso em que Barack Obama se refere ao brasileiro como o “político mais popular do mundo”. A partir dali, segue a história já conhecida com a infância pobre e as primeiras faíscas de interesse na luta dos trabalhadores, e a ascensão como figura de relevância no movimento sindical, a criação do PT e as seguidas derrotas em eleições presidenciais.  

BOLSONARO E MORO VILÕES 

Além de contar com um riquíssimo arquivo, Stone tem, em sua frente, o narrador mais apaixonado para contar aquela história: o próprio Lula. Dono de um carisma inegável e sem papas na língua, ele fala da própria trajetória com um tom de que ainda há lenha para gastar.  Filmadas meses antes da eleição que levou o petista à Presidência pela terceira vez, em 2022, a entrevista e seus bastidores são um documento importante, mas que, por vezes, parecem subaproveitados na ânsia de levar ao público um relato mais convencional sobre Luiz Inácio.  

Não que isso seja exatamente um problema. A contextualização de Stone é precisa, sobretudo quando chega ao período pós-Governo Dilma. Além de Lula, o jornalista norte-americano Glenn Greenwald também é entrevistado, e, por mais que agora pareça um depoimento anacrônico e com fome de um balizamento estrangeiro sobre a figura do Presidente, é interessante ver que estar à vontade com o conterrâneo permite ao diretor alguns dos momentos mais espirituosos do longa, como os seguidos deboches à figura de Sérgio Moro.  

Aqui, o ex-juiz é retratado como um pateta, enquanto Jair Bolsonaro é apresentado com trilha de vilão. Ainda que o filme não se aprofunde nos temas que permearam o governo Bolsonaro – a pandemia de Covid, por exemplo, não é citada -, ele é eficiente ao mostrar a construção dessa figura e como ela se beneficiou do espaço dado pela grande mídia e de discursos misóginos, racistas e carregados pelo aval de uma onda conservadora ao extremo.  

Ao esmiuçar praticamente cada um dos detalhes que contextualizam a prisão de Lula e os retrocessos que o Brasil viveu nos últimos anos, Stone faz do dia 30 de outubro de 2022 o cenário para um final feliz. Cada sentimento daquele dia parece voltar, e até eu, que não sou tanto de chorar quando assisto a filmes, me vi derramando as mesmas lágrimas de alívio derramadas naquele dia. Ainda que o Brasil da vida real esteja longe do final feliz dos filmes, que o governo Lula 3.0 não consiga replicar os feitos dos dois primeiros mandatos e que “Lula” só evidencie a dependência que foi criada em cima de uma figura que não será eterna, é reconfortante sair do cinema lembrando da faísca de esperança daquele domingo.