Que filme curioso é este Um Lugar Silencioso: Dia Um: uma produção que pertence a uma franquia já estabelecida no cinema e, por isso, já tem algumas características definidas. Porém, este aqui oferece elementos diferentes do esperado e também aspectos que não vemos com frequência em filmes do subgênero apocalíptico.

Como o próprio nome indica, trata-se de uma prequel: ele se passa antes dos dois longas Um Lugar Silencioso já lançados e mostra o início da invasão alienígena pelas criaturas que não enxergam, mas caçam os seres humanos pelo som. O único jeito de evitá-los e, consequentemente, ter uma morte súbita e violenta, é ficar bem quieto.

Mas dentro dessa estrutura familiar – e de uma trama que, mais ou menos, já sabemos para onde vai por termos visto os anteriores – o diretor e roteirista Michael Sarnoski insere alguns elementos incomuns. Para começar, a heroína Sam (interpretada por Lupita Nyong’o) já está morrendo desde o começo da história – ela passa por um tratamento contra câncer. Um dia, Sam vai a Nova York junto com outros pacientes e equipe do hospital onde está sendo tratada e o mundo vira o inferno. Caças começam a bombardear a cidade e terríveis monstros caem do céu e passam a matar quem fizer qualquer barulho.

DRAMA MELANCÓLICO NO LUGAR DO TERROR

Em meio a este cenário, personagens humanos entram e saem da história sem mais nem menos. O de maior importância é Eric, vivido por Joseph Quinn, da série Stranger Things. Por estar com os dias contados, a heroína vai tomar ao longo da história algumas decisões que podem afastar alguns espectadores. Cenas de ação e suspense com os monstros parecem estar ali apenas para cumprir tabela porque o longa faz parte de uma franquia conhecida e esse tipo de coisa é esperado. As criaturas são desinteressantes, e quando o filme tenta explorá-las um pouco, o resultado é pouco desenvolvido. E há um gatinho que acaba sendo um personagem mais importante do que a maioria dos seres humanos que aparecem.

Sarnoski é o responsável por esse toque diferente: o diretor do curioso e interessante Pig: A Vingança (2021) herda a franquia do seu diretor original, John Krasinski, que aqui retorna apenas como produtor e autor do argumento. E Sarnoski faz um filme de franquia que segue seu próprio rumo. De fato, em vários momentos esse Dia Um parece mais um drama melancólico do que um terror ou suspense e tem mais interesse em examinar o comportamento de alguns seres humanos frente a uma situação limite e estranha, do que nas suas cenas de ação.

Não que elas não existam e a que temos são adequadas: há uma perseguição por um túnel de metrô inundado e o clímax recompensa o investimento que o espectador faz nos personagens. Mas são cenas estranhamente sem muita tensão. É como se estivéssemos vendo um filme de gênero, com seus tradicionais os elementos de trama, mas a história é pequena e não houvesse muito para se contar.

DILEMAS EM MEIO AO APOCALIPSE

O interesse de Sarnoski é mesmo nos seus dois atores principais: Lupita, claro, é daquelas intérpretes que consegue evocar inúmeras emoções apenas com seu rosto, e ela carrega o filme de modo admirável, fazendo tudo parecer fácil. E Quinn não fica muito atrás, ele também se mostra muito expressivo – seus olhares arregalados ficam à altura dos de Lupita – e cria um retrato sensível de um cara sem rumo e que redescobre sua força.

E num aparte, não podemos deixar de mencionar o gato: Sarnoski e a história dão tanta atenção ao bichano que ele acaba tendo uma das melhores atuações felinas da história do cinema.

O diretor também quer explorar as nuances da história. Ora, se você já está morrendo, vale a pena lutar pela vida? É possível encontrar formas de valorizar a vida se tudo está desabando ao seu redor? São questionamentos que Um Lugar Silencioso: Dia Um evoca no espectador e encontram eco na sensível jornada de Sam ao longo do filme. Claro, nada é muito aprofundado, mas essa abordagem é refrescante, diferenciada e dá um pouco mais de ambição do que o que geralmente vemos na média atual.

VEREDICTO A GOSTO DO FREGUÊS

O quanto um espectador vai gostar de Um Lugar Silencioso: Dia Um? Depende do gosto do freguês. Numa visão pessoal, acho que alguns espectadores vão ficar frustrados pela pouca tensão ou pela expectativa que o nome Um Lugar Silencioso cria. Outros podem curtir justamente pela experiência diferenciada e sensível, e pelos elementos mais pessoais que os cineastas trazem aqui. Fico no segundo campo.

Aliás, na minha opinião o fantástico Um Lugar Silencioso original de 2018 nem precisava de continuação ou prequel, e num mundo perfeito elas nem existiriam. Mas já que existem, bom que ainda é possível ver alguns projetos como este, estranhos e diferentes o suficiente mesmo dentro de estruturas tão familiares. Este Dia Um não é nenhum grande filme, mas é interessante, e nesta era de cinema tão industrializado, impessoal e conduzido por algoritmo, a gente aprende a contar as bênçãos onde elas aparecem.