Intenso e passional, quase doentio eu diria, assim é o livro “Eu Sei Que Vou Te Amar” (2007) do Arnaldo Jabor (1940-2022). Já tinha lido o livro na época, mas me deparei com ele aqui em casa um dia desses e resolvi reler. Boom…! Um dia de leitura tensa em suas 131 páginas. Vale ressaltar que o livro é a adaptação do filme de 1986.

Não sou um dos mais entusiastas de Jabor, principalmente enquanto colunista da TV Globo. Sabia do seu histórico, lógico, já tinha visto “Eu Te Amo” (1981), mas nada que me despertasse a vontade de procurar por sua história. Confesso que não curti muito o livro, mas há algo muito verdadeiro e provocador ali, portanto, fui atrás de ver o filme que rendeu para Fernanda Torres o Prêmio de Melhor Atriz em Cannes em 1987. E descobri que o filme é o último da “Trilogia do Apartamento” , compostos por “Tudo Bem” (1978) e “Eu Te Amo”.

A seguir, uma breve análise dos filmes:

Tudo Bem

Para entender o universo de Jabor, é preciso ter em mente a sua ascensão na segunda metade do movimento do Cinema Novo no final da década de 1960 e início de 1970, com muita acidez e crítica social. Depois dos sucessos dos primeiros filmes, o diretor inaugura com grande estilo a sua “Trilogia do Apartamento”, que consiste naquele lugar de classe, certa elegância burguesa, mas todos deteriorados de alguma forma.

“Tudo Bem” é um caos absoluto, rocambolesco, por isso mesmo, o melhor filme desse triângulo existencial burguês passional. Um olhar apurado sobre a classe média, mediana mesmo, em seus devaneios dentro do conforto/confronto do seu lar. O milagre econômico não foi o que deveria ter sido e todos estão decadentes de alguma forma. Como diz a Vera Lúcia (Regina Casé estreando nas telonas, mas já reconhecida no teatro com seu grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone): “Chegou a segunda-feira e já começou a mediocridade”.

E é exatamente sobre isso, a mediocridade do sujeito, seja social, político, intelectual, e os diversos mecanismos que ele, mesmo que no subconsciente busca em sair desse buraco social medíocre que leva à todos ao verdadeiro caos e requerendo para si alguma crença para se sentir, de alguma forma, útil.

A relação dos empregados e patrões também é um acerto. Ao longo de “Tudo Bem” vemos esse olhar muito real de qualidades de vida e relação de poder e como o patrão se vitimiza (pensando em uma linguagem mais atual) mais que aqueles pobres operários e empregadas domésticas que estão na labuta por um mínimo de dignidade possível.

O elenco é estrelar: Fernanda Montenegro, Paulo Gracindo, Fernando Torres, Regina, Luiz Fernando Guimarães (também estreando e membro do Asdrúbal), Zezé Motta (ainda no estereótipo da empregada e sexualizada), Stênio Garcia, Anselmo Vasconcellos e Maria Sílvia.

Eu Te Amo e Eu Sei Que Vou Te Amar

“Antes de você chegar já chega como uma nuvem que vem na frente, antes de você chegar eu ouço tua intensidade vindo, tua luz, teu som nas ruas, teu coração batendo mais forte porque vai me encontrar…”

Lendo o livro e assistindo esses filmes, não tem como não imaginar que essa trilogia tenha um quê de biografia e convergência existencial. Muito antes de ser um colunista reaça, Jabor tinha sangue nas veias e uma consciência política e social muito pungente.

“Eu Te Amo” se insere no primeiro momento da crise social e econômica brasileira através do protagonista Paulo (Paulo César Peréio), industriário falido, abandonado pela ex-mulher (Vera Fischer) e encontra na prostituta Maria (Sônia Braga) uma reconexão consigo mesmo.

Em “Eu Sei Que Vou Te Amar”, somos convidados a testemunhar a DR de um jovem casal (Fernanda Torres e Thales Pan Chacon) submersos em seus traumas, nas suas dores, nos seus desejos e aflições reprimidos por muito amor e pouco diálogo antes de se separarem.

Os três filmes são similares, principalmente por ter um apartamento como testemunha e um alicerce para ampará-los. Mas os dois últimos conversam entre si na forma como Jabor deságua seus temores do amor e a urgência do corpo para com o corpo do outro quase como um ímã. Lei da atração. Pura química. Física? Matemática, um mais um são dois? Imediatismo da carne.

“A vida só é vida no limite da loucura”

O desespero desses quatro personagens pulsa como as veias do seu corpo. O amor, realmente é uma dor. Pura física. Loucos são aqueles que sabem amar e viver perigosamente entre o amor, a dor e o prazer.

Se pudesse resumir em uma palavra esses dois filmes seria desespero. Penso na cabeça fervilhando de Jabor com todas as emoções afloradas ao escrever e dirigir essas obras. É como uma catarse dos seus sentimentos e desejos de uma paixão insana. O sexo selvagem desvenda a pequinês daqueles corpos diante de tantos desejos, tantas amarras, tantas convenções.

Reside também o fingimento, a própria Maria (Braga) não é quem diz ser, nem seu nome é verdadeiro. Paulo (Peréio) não é o rico que aparenta ser. Ela (Torres) não superou o término e não se relacionou com mais ninguém. Ele (Chacon) é um cara perdido. Já canta Los Hermanos, “fingi na hora de rir”, e esse fingimento mascara o medo, a culpa e a compulsão que dê sentido ao seu corpo.

No fim, estão todos abalados, frustrados, inquietos e dependentes.

“Tudo Bem”, “Eu Te Amo” e “Eu Sei Que Vou Te Amar” é um retrato social que não envelhece. Afinal, crises sociais e políticas ainda existem. Crises existenciais não faltam. E as crises de amores, estas nunca deixarão de existir.

Tá tudo bem mesmo?

Volto aqui depois para falar das minhas impressões de outro clássico do cinema nacional capitaneado por ele: “Toda Nudez Será Castigada” (1972), adaptação de Nelson Rodrigues.