Na história do cinema, terror e religião sempre caminharam de mãos dadas por mais que isso pareça contraditório. O fato de termos a batalha do bem e do mal interligada pelo maior medo humano – a morte – permitiu que a religião com seus dogmas e valores fosse investigada pelo horror durante décadas para analisar o conjunto de crenças e medos impetrados pela própria igreja e assim, questionar as convenções e tabus da sociedade. E é neste campo de indagações que um subgênero anda em alta e tem se proliferado em abundância no cinema de terror na última década, o chamado “horror religioso”. 

Imaculada, dirigido por Michael Mohan, é o mais novo exemplar desta safra religiosa para angariar os fãs devotos (ou não) do subgênero. Ingredientes para isso não faltam: conta com uma das jovens estrelas do momento, Sydney Sweeny, que protagonizou o sucesso romântico “Todos Menos Você e o blockbuster Madame Teia”; um cenário macabro ideal para construir imagens assustadoras e, é claro, uma premissa redondinha repleta de influências de outros clássicos cinematográficos do gênero. 

Na história, Sweeney é Cecília, uma jovem que vai para um convento isolado na região rural italiana cumprir os votos para se tornar freira, quando descobre estranhos segredos que envolvem o local e se vê diante da uma gravidez misteriosa. 

Boa Atmosfera x roteiro morno

Se na teoria Imaculada promete um horror interessante, na prática, ele é mais um terror religioso de abordagem genérica como tantos outros lançados pelo mercado americano. O que não deixa de ser uma pena, porque a cena que abre a obra e que bebe na fonte do cult holandês O Silêncio do Lago dá a impressão para o público que algo de bom e brutal virá no contexto psicológico, situação que nunca se concretiza durante a história. 

Até valorizo a atmosfera de suspense criada por Michael Mohan com um bom clima de medo encenado, se apropriando de planos abertos para dimensionar o público a paisagem ambígua e desconfortável que Cecília enfrenta no seu dia a dia no convento, como se um ser malévolo a estivesse observando a distância. 

Existe claramente uma forte influência do horror setentista e isso fica claro na ambientação sinistra e visual que remete a Suspiria de Dario Argento e no cenário de cômodos filmados a partir de enquadramentos sufocantes que trazem uma vibe de “O Bebê de Rosemary” de Roman Polanski, sem contar iconografia cristã transgressora dos principais trabalhos góticos de Mario Bava. 

Para quem é apreciador de um bom horror de vanguarda até encontra aqui uma eficiente reconstituição geográfica, que se alimenta de imagens sombrias para municiar o seu terror católico com direito a trilha instrumental de Will Bates que encanta pela beleza sonora perversa de utilizar uma canção infantil para contextualizar o sentimento de estranheza. Inclusive, a própria narrativa é mais lenta, muito próxima dos filmes deste período, abordando a iconografia católica a favor do medo e dando bom acabamento as ideias visuais. 

Pena que o roteiro do estreante Andrew Lobel se revele uma coleção de clichês psicológicos narrativos poucos criativos para entreter, moldados a partir de uma dependência excessiva aos jumpscares genéricos. É nítido a falta de desenvolvimento dos dramas e dilemas de Cecília, além da forma que a noviça interage com o terror meio se perde com situações que vão sendo inseridas de maneira preguiçosa pelo texto, sem qualquer preocupação de construir o medo a favor da história. A impressão é que toda exposição visual se torna vazia devido a exploração superficial da temática católica e de todo o horror que o filme procura discorrer sobre religião, poder e abusos institucionalizados. 

Final polêmico para um filme padrão

Vale ressaltar que Imaculada só chegou as telas graças a sua estrela Sydney Sweeny. Ela fez o teste para o filme dez anos atrás quando tinha 16 anos, mas o projeto ficou engavetado por todo esse tempo até a atriz por meio da sua produtora comprar os direitos para filmá-lo. Chamou Mohan com quem trabalhou no thriller Observadores (disponível no Prime Video) e deu luz verde para o início da produção. 

De certa forma, olhando para o texto de Lobel, é fácil perceber o interesse da atriz por ele: existem questões pertinentes relacionadas ao feminino como o controle patriarcal e a opressão exercida pela religião sobre a natureza feminina no que tange suas escolhas e decisões. É graças a Sweeney que o filme se torna crível pela interpretação dedicada da atriz, que ganha mais força no último ato. 

Falando neste aspecto, é curioso a produção apresentar um final audacioso, com direito a uma bela atuação de Sydney, que lembra em certas partes, a performance de grande entrega emocional de Isabelle Adjani no cult Possessão enquanto todo o seu restante é pontuado por uma narrativa no piloto automático, com muitas situações engessadas. 

Por fim, é nítido que Imaculada se perde na sua própria indecisão, se deseja aderir ao conceito do horror psicológico mais brutal em discutir a indumentária cristã (a jornada de Cecília e sua gravidez tem ecos da virgem Maria) dentro da sua crença ou se segue a tradicional fórmula do filme comercial de terror delineado pelos sustos fáceis. Logo, a narrativa oscilante não tem força de acompanhar o desfecho provocativo, que toca numa temática bem polêmica aos olhos da própria igreja e da sociedade atual. 

É como ao desejar atingir dois públicos diferentes (um comercial e outro cult), Imaculada se desconectasse da sua proposta inicial de ser um horror distinto atmosférico para virar um entretenimento genérico que deixa mais lacunas nas respostas e discussões que sua premissa ambiciosa propõe.

Obs: por um dos acasos do destino (ou não) a trama de Imaculada é quase idêntica ao prelúdio do clássico A Profecia, batizado de A Primeira Profecia, lançado no mês passado. Só que diferente do filme desta crítica, seu rival é uma grata surpresa e uma luz divina no meio de obras oportunistas de terror.