Algo cheira mal em “Love Lies Bleeding” e é difícil articular o quê. Não é o cheiro das privadas entupidas que Lou (Kristen Stewart) precisa consertar, nem da atmosfera maciça de suor acre que toma conta da academia que gerencia. É, antes, o cheiro de um estúdio (e vai ser preciso falar inglês para a imagem olfativa fazer sentido) completamente embrenhado up its own ass

O que significa que a A24 é uma marca, e como toda marca, ela tem sua linha editorial: filmes com esquisitices o bastante para agradar as plateias que buscam algo “inteligente”, mas não estranhos o suficiente para alienar tal público. Funciona porque a garotada que não é necessariamente cinéfila pode ter a experiência cult sem contrair os malefícios da cinefilia (a atrofia social debilitante, as aporrinhações do Film Twitter, as pequenas dinâmicas de poder de eu-sei-mais-do-que-você etc). 

Também não é como se criticar a linha de produção da A24 fosse algo muito original – a represália contra sua tirania indie está no mundo desde que algum pateta decidiu cunhar o termo “horror elevado”. Mas a exposição sequencial a dois títulos do estúdio – “Guerra Civil” e agora este – faz a gente matutar um pouco mais sobre o assunto, inevitavelmente. 

A BASE DO FILME

Antes de tudo, “Love Lies Bleeding” é um thriller, um daqueles vagarosos, que passam a primeira metade construindo um cenário até finalmente explodir em violência. O cenário? Uma cidadezinha ensolarada nos anos 1980. A década está acabando, mas o grunge ainda não chegou, o que significa um desfile de cortes de cabelo hediondos em cena. A diretora Rose Glass se diverte criando caricaturas grotescas dos pobretões brancos do Tio Sam, com direito a muitos mullets e dentes podres. Tudo muito bem e muito bom. 

Enquanto isso, Lou se apaixona por uma estranha andarilha, Jackie (Katy M. O’Brian), que chega na cidade de shorts jeans e top esportivo. Ambas estão fugindo de suas famílias. Ambas estão perdidas. Que elas tenham química juntas também não faz mal a ninguém e da atração física surge a paixão e da paixão, o amor. 

Completam o quadro Dave Franco, como o cunhado tapado e violento de Lou, e Ed Harris, como o careca cabeludo mais sinistro do Oeste. A trama se desdobrará e será posta em movimento com assassinatos, sexo, desentendimentos, tiroteios, enfim, aquilo de que os filmes são feitos. 

SACRÍFICIO EM NOME DO ESTILO

Tudo isso é bom. Há uma boa história de amor tóxico aqui, sobre ciclos destrutivos e violência geracional. Que isso venha embalado como thriller não atrapalha, com todos os momentos de tensão esperados e aqueles personagens coadjuvantes que a gente sabe desde seu primeiro momento em tela que vão morrer. 

As duas principais, enquanto isso, sustentam a coisa toda. De Kristen Stewart ninguém precisa falar mais nada elogioso, exceto que é um prazer perceber como sua voz tem se tornado suavemente rouca com o passar do tempo. O’Brian talvez tenha o papel mais chamativo – Jackie, como aspirante a fisiculturista, exige certa fisicalidade –, mas a atriz se sai bem também ao sugerir a vulnerabilidade da moça. 

E, novamente, está tudo muito bem até aqui. Mas algo cheira mal. Começa como uma tendência irritante da diretora ao pseudo-grotesco – a privada entupida, os dentes podres – que só se faz eficaz mesmo na cena-chave de violência, já na meiúca do filme. Vá lá. O problema é que, conforme o estado mental de Jackie vai se deteriorando na história, Glass se deixa levar por inserts psicodélicos que soam calculados no seu artifício. Ora parecem uma tentativa de soar edgy, dark, ora são arroubos artísticos que poluem o que do contrário seria um exercício de gênero bastante funcional – e bom. 

A coisa irrita. Não se trata de justificar os floreios de estilo aqui empregados. Não porque não tenham justificativa, mas porque sequer seria preciso justificar arroubos estilísticos caso eles nos arrebatassem com sua lógica sensual própria. Do jeito que está, parecem mais um mal necessário: a A24 não pode se misturar com o populacho dos thrillers ordinários, então precisa apimentar a receita com sua grife de esquisitice morna, sob o slogan de “filmes fora da caixinha”. Mesmo que, no processo, sacrifique o que uma história tem de mais eficaz.