Recentemente a revista Forbes publicou uma lista com os maiores salários recebidos por atores e atrizes de Hollywood em 2023. O N.1 é Adam Sandler: o astro recebeu no ano passado nada menos que US$ 73 milhões líquidos a partir de um contrato milionário com a Netflix para ser o “ator funcionário”, função que desempenha desde 2014. 

Um ponto que chama atenção nesta parceria é que enquanto produz e estrela suas tradicionais comédias besteiróis que fazem grande sucesso comercial na plataforma (“Os Seis Ridículos”, “Mistério no Mediterrâneo” e “Mistério em Paris”), Sandler ganhou uma espécie de “passe livre” para também rodar filmes pelo streaming: entre uma comédia e outra, há aquelas com temáticas mais sérias e adultas que explorem seus dotes dramáticos que chamaram atenção do mundo em 2003 com “Embriagado de Amor” de Paul Thomas Anderson

Os Meyerowitz: Família Não se Escolhe”, “Joias Brutas” e “Arremessando Alto” são bons exemplos desta liberdade artística que Sandler se apropriou quando não está estrelando as comédias amalucadas, para abordar o homem comum (que ele adora interpretar em seus longas-metragens) no campo dramático, lidando com as “pressões” da vida adulta que o obrigam a sair da sua inércia emocional.

Para se juntar a esta trinca, temos “O Astronauta”, uma ficção-científica existencialista que divaga sobre a complexidade dos relacionamentos humanos a partir de temática universais. Nela, Sandler é Jakub, um astronauta tcheco que está seis meses no espaço em uma missão solitária próximo ao planeta Vênus, para investigar um fenômeno misterioso de uma nuvem em formato de partículas que está colorindo o céu da Terra. Enquanto lida com problemas conjugais com a esposa Lenk (Carey Mulligan), que se encontra grávida e deseja se divorciar, ele tem um encontro inusitado com uma entidade alienígena na forma de uma aranha chamada Hanus (a voz de Paul Dano) cuja presença na nave o leva a refletir sobre suas memórias e comportamentos e, assim, rever certas escolhas que tomou na vida.

Resumindo os clássicos da ficção científica para o público na Netflix

A verdade é que “O Astronauta” passa longe de ser um filme algoritmo que a Netflix tanto lança. Na teoria é uma ficção científica cheia de boas intenções, enraizada numa narrativa reflexiva sobre a condição humana e que parte deste princípio para trabalhar a jornada pessoal e psicológica de Jakub perante o seu egocentrismo, que esconde atrás de si, um homem preso a solidão e incomunicabilidade emocional. 

O grande problema do trabalho de estreia do sueco Johan Renck, oriundo das séries televisivas “Breaking Bad” e “Chernobyl”, é que na prática ele é uma coletânea de homenagens e tributos ao cinema de ficção-científica, do clássico ao contemporâneo, sem conseguir dar forma as ideias do livro de Jaroslav Kalfar na qual se baseia. 

Difícil não lembrar de várias produções do gênero em cada etapa enfrentada pelo astronauta na trajetória espacial: a relação com a esposa traz uma tintura familiar melancólica de “Interestelar”; a amizade improvável de Jakub e Hanus tem uma abordagem muito próxima de HAL 9000 de “2001:Uma Odisseia no Espaço”; a postura de indiferença do protagonista com a vida remete a Sam Rockwell em “Lunar” e, por fim, toda a estrutura da solidão espacial experienciada pelo personagem traz ecos muito fortes do clássico “Solaris” do cineasta russo Andrei Tarkosvki, ficção científica pesadíssima no campo filosófico existencialista de discussão. 

A impressão é que a Netflix e Sandler queriam fazer de “O Astronauta” uma espécie de “Solaris” pocket para quem não deseja encarar a densidade dramática da obra soviética, vindo juntamente com um apêndice que serve de resumo (ou guia) informativo dos elementos conceituais e narrativos que devem conter numa ficção científica para o público gourmet que consume a Netflix. Acaba que estas comparações e referências com as produções cinematográficas citadas, atua de maneira desfavorável contra o filme, até porque o cenário que ele tenta criar de expansão dentro da história de Kalfar não gera uma subversão de expectativas necessárias para dar uma identidade própria ao longa, que por sua vez, não avalia bem como seguir as questões existencialistas no que tange a depressão e solidão de Jakub no espaço. 

Derrapando na exposição do drama

Em parte da sua narrativa, o roteiro de Colby Day apresenta boas sacadas. Os momentos pontuais de humor são interessantes, as reflexões sobre compreensão mútua, compromisso e a importância do amor (e seu significado) nas relações humanas trazem um aspecto sentimental e dramático que tem validade em ressoar a mensagem junto ao público, sem ser arbitrária, sobre a fragilidade da incomunicabilidade humana frente o distanciamento e a frieza. 

A própria atmosfera melancólica casa com a direção de arte de Jan Houllevigue (o ponto sólido e que se destaca na produção) ao trazer elementos que validam a verossimilhança da sci-fi clássica sem perder a nostalgia fantasiosa por meio do espaço da nave e sua caracterização claustrofóbica para validar a experiência opressiva que circunda Sandler durante a jornada de autodescoberta. 

Os cuidadosos efeitos visuais que compõe Hanus ajudam a criar uma criatura visualmente ambivalente que transita bem entre um ser que assusta e que, ao mesmo tempo, transmite acolhimento pelo olhar e pela voz (o tom suave imposto por Paul Dano cumpre muito bem o papel) destinados ao astronauta nos momentos em que ele se encontra fragilizado. A verdade é que a relação entre os dois, apesar de problemática em certos momentos da história, tem mais acertos do que erros, e particularmente, considero a interação deles responsável em dar uma consistência as camadas emocionais da jornada do protagonista pelas profundezas do coração humano, tanto conscientemente quanto inconscientemente. Sempre que os dois estão fazendo sua “sessão terapêutica”, os aspectos dramáticos das crises do personagem se tornam plausíveis na pauta de debate. 

O problema de “O Astronauta” é como ele organiza suas argumentações para este debate. É um filme que derrapa em demasia na exposição do texto dramático. Tudo que envolve as dúvidas, inseguranças e medos de Jakub juntamente com as questões de casamento e da infância apresentados em flashbacks ou através de imagens mentais do personagem, são poucos funcionais na abordagem investigativa extremamente genérica que o roteiro de Day assume. 

Os diálogos rasos estão sempre atrelados a frases motivacionais que se revelam piegas em sua filosofia de autoajuda para analisar as temáticas elencadas. É difícil aceitar que o melhor remédio para solidão é uma colher de Nutella para silenciar a dor e o arrependimento como o texto sugere de maneira infantilizada em certo momento. É notório que ele se esforça ao máximo para racionalizar os conflitos do astronauta, apenas para mastigá-los ao público, quando poderia ser um facilitador para deixar este tirar suas próprias conclusões. O verniz dramático contemplativo para reflexão é substituído pela exposição didática de resultados imediatos, dando a impressão que é um filme que precisa ser explicado e não sentido, fugindo assim da sua proposta inicial. A sensação é que o próprio processo terapêutico apresentado no início do longa é deixado de lado para virar uma simples conversa de botequim, que se torna vaga na sua essência. 

SANDLER REPETITIVO

Isso reflete também na própria atuação do seu astro principal, que diferente dos outros papéis dramáticos da sua carreira, não consegue acertar o melhor tom de interpretação. A impressão é que a obra não traz nenhuma nova dimensão aos personagens familiares de Sandler com os quais o espectador já está acostumado. Pode ser que o ator se saia melhor em papéis dramáticos que exijam um tom explosivo nas emoções, diferente de Januk que é uma figura contida nelas. Isso pode ser percebido na falta de evolução do personagem, com Sandler não conseguindo evocar as suas reais angústias, situação que também se expande para o restante do elenco, todos presos a personagens unidimensionais que pouco agregam para o crescimento emocional do protagonista, não deixando de ser frustrante ver Carey Mulligan e Isabella Rossellini, está no papel da chefe da agência espacial, subutilizadas em cena. 

Acaba que a nova parceria de Adam Sandler com a Netflix pelo drama, é uma experiência de ficção-cientifica, que pelo seu caráter dramático e filosófico existencial em utilizar o espaço sideral para mergulhar na psiquê humana, se revela mais um potencial desperdiçado dentro do gênero. Ainda que longe de ser vazia se comparado a outros produtos do streaming, “O Astronauta” de maneira preguiçosa prefere ficar orbitando na experiência didática deixando de lado a transcendental e que poderia levar o trabalho a um campo desafiador para um subgênero que sempre primou pela introspecção e reflexão.